Lamento do girassol contrariado

Fizeram-me um girassol,
a girar, a girar,
sempre de olhos postos no Sol.
Isso mesmo: a esturricar.
E logo a mim,
que preferia ser giralua, à noite,
e ficar no escuro, a sonhar;
mas, enfim.

Quis comprar uns óculos de sol
mas não havia para girassóis.

Quis comprar um guarda-sol
(ou um guarda-chuva, também servia)
mas também não havia.

Pedi o livro de reclamações,
pois “estava-me a passar”,
mas também não havia para girassóis.
Não há nada para girassóis.
Está tudo por inventar.

E aqui continuo neste descampado
onde sempre estive empregado
e só o maldito Sol me vê,
Uma vida vivida cegamente,
todos os dias, das seis da manhã
às oito da noite, a fazer não sei o quê.

Bem gostava de saber.
Mas também quem é que sabe
o que anda aqui a fazer?


Álvaro Magalhães
Do livro: Poesia-me
Alfragide, Asa Editores, 2016